A ouvir

toniofeio's Profile Page

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Vivissecção do amor


O termo é, mais do que violento, cruel. Como de crueldade é feito o filme de Sam Mendes, arrisco-me a considerá-lo mesmo o mais conseguido da sua obra. Leonardo DiCaprio e Kate Winslet recriam o mítico par de 'Titanic', 11 anos depois do épico de James Cameron. E a escolha é tudo menos inocente, já que 'Revolutionary Road' mostra a autópsia de um casal. Com o "pequeno" pormenor de os dois elementos dos Wheeler estarem ainda vivos, apesar de aquilo que os uniu em primeiro lugar ter entretanto iniciado um inevitável processo de decomposição.
Do amor "maior que a vida" de April (Winslet) e Frank (DiCaprio) ficou um par de filhos (quase sempre ausentes para sublinhar que a sua existência é um mero acidente de percurso) e o sadismo psicológico que devotam um ao outro, trocando constantemente de papéis entre predador e presa. É isso que, a espaços, torna sinistro o filme de Mendes. O olhar vago, vazio, de April gela o espectador, como o faz o comportamento errático de Frank, aparentemente decidido a não se deixar aprisionar, quando, no entanto, há muito ficou inapelavelmente cativo na teia.
A quimera de reconstruir uma felicidade há muito utópica acaba por esbarrar no desencanto mútuo. Em 'Titanic' destinados a ficar juntos para além da morte, 'Revolutionary Road' mostra o que sucedeu ao amor imberbe e ingénuo do casal. Apodreceu e corroeu-os por dentro, até só restar crueldade - como tantas vezes sucede e raramente se assume.
Winslet ser na realidade mulher de Mendes, a piscadela de olho a 'Titanic' (a palma da mão no vidro na cena do carro) ou a verdade estar perceptível apenas nas palavras do louco declarado (excelente Michael Shannon) reforçam somente o tom de conto de amor perverso. A fantasia ficou no filme de Cameron. Aqui, o amor do casal foi colocado à prova pela vida quotidiana.
Resta a conclusão que as histórias românticas estão longe de ser perfeitas. Ou, quando o são, acabam na memória de DiCaprio a afogar-se lentamente. Talvez tivesse ficado melhor assim. Rose e Jack cresceram e tornaram-se April e Frank. E isso nada tem de agradável.